sábado, 5 de novembro de 2011

Estação primavera






No mês de setembro, por volta do dia 20, uma energia prodigiosa movimenta-se na natureza, impulsionando todas as formas de vida a assumirem uma dinâmica de expansão e diversidade. Numa profusão de luz, cor, odor e formas o poder do invisível se manifesta e salta aos olhos. Nos campos, a visão é paradisíaca; nas cidades os jardins não têm a mesma exuberância, mas se mostram claramente regidos pela beleza, que se expressa no verde novo e no espírito daqueles que estão abertos e sensíveis ao impulso que emana da natureza e inspira os homens. É o irromper do movimento poderoso gerado no repouso do misterioso inverno, num período de gestação e alquimia que deu a luz à primavera. O inverno guardou a semente da primavera, em silêncio, nutrindo-a lentamente no reino invisível, com a energia concentrada no solo, oculta sob a terra quando, a energia vital desceu da copa das árvores para o tronco e por fim para as raízes. O obscuro, inexplicavelmente à compreensão humana gerou o luminoso, o recolhimento gerou a expansão,  do repouso ao movimento o yin gerou o yang.



Os mecanismos da natureza escapam muitas vezes à lógica humana e o milagre ocorre a despeito dos incrédulos, e lança seus prodígios indistintamente sobre o sábio e o homem comum. A diferença está na forma de recebê-lo por este ou aquele. Daí a importância de estarmos despertos para contemplarmos as coisas a sua própria luz e a luz do todo, para que sejamos favorecidos pelas emanações do céu e da terra e estarmos em unidade com o universo. Dar a devida importância a isto é dar importância à própria vida. Não podemos ignorar nossa relação com a natureza e seus ciclos, o homem sempre esteve sob sua influência direta ou indiretamente; agir de acordo com eles é viver mais próximo do poder que a tudo move, da harmonia original de onde tudo vem e para onde tudo retorna...



A energia da primavera é de expansão, do centro para as extremidades, o que sugere doação, abundância, generosidade. Segundo a medicina tradicional chinesa, das fases da vida ela corresponde ao nascimento. As flores, que são o seu símbolo, são os órgãos sexuais das plantas, que convidam pássaros e insetos a se deleitarem com seu néctar, seduzindo-os com suas formas atraentes, odores e cores, assim como o fazem os seres humanos e os animais que se ataviam quando querem atrair seus parceiros.



Através deste mecanismo e da ação dos ventos, ocorre a fecundação. Por trás de sua estratégica exuberância e sensualidade, a primavera guarda a fertilidade que se revelará nos frutos para a próxima estação, pois na base das flores se esboça, ainda indefinido, o fruto.



Os atributos da natureza são poderosos porque encerram sabedoria em sua manifestação, a exemplo da beleza que exala da primavera, que difere da beleza que o homem forja. No primeiro caso é naturalmente imbuída de graça porque sua forma não é vazia, porque tem um rico conteúdo implícito, que confere à beleza a utilidade e, um desígnio vital, expressão da inteligência divina que transcende a própria espécie na qual se manifesta, para favorecer outras. É por isso uma beleza dadivosa e espiritualizada, sempre abundante porque é generosa. No homem, na maioria das vezes, a beleza se dá a serviço dele mesmo, dos interesses do seu ego, como alimento à sua vaidade. Falta-lhe verdadeira graciosidade porque sua forma é destituída de conteúdo e, muitas vezes, sua beleza é como um ardil aos outros e uma armadilha para si mesmo, pois, quando é tocado pela marca do tempo e a aparência se deteriora, não dispõe de recursos internos, porque sob a ilusão transitória da juventude não cultivou no conteúdo os valores essenciais do caráter e do espírito, e cai em descontentamento, porque o fruto não foi formado com a essência e por isto não alimenta. É como uma flor que não se cumpriu, um corpo que não se uniu a sua alma.



O Dragão Verde



Segundo a Medicina Tradicional Chinesa, a primavera é simbolizada pelo Dragão Verde, cuja direção é o leste. A energia que a movimenta é o vento, o sentimento a ira, o fenômeno o trovão, o horário das 23h às 3h. É regida pelo elemento madeira, cujos órgãos e canais energéticos associados são o fígado e vesícula biliar, dos orifícios correspondem os olhos, dos tecidos os músculos e tendões, dos líquidos o sangue. Na natureza rege a seiva, no homem o sangue.

De acordo com estas correspondências, alguns cuidados devem ser observados para a manutenção da saúde durante a estação e a preparação para a próxima, que é o verão, o Dragão Vermelho, regido pelo elemento fogo. Se não nos cuidarmos e não nos nutrirmos adequadamente na primavera, atingiremos o verão como uma madeira seca que entrará em combustão gerando um “fogo falso” responsável por calores e vapores doentios que causam nódulos nos seios, dores de cabeça, irritação, intolerância, arrepios, males do fígado e da vesícula.

Devemos entrar na primavera como quem acaba de despertar, se espreguiça, vai soltando o corpo e o espírito com movimentos lentos e suaves, até que no decorrer, com a definição da estação, nos tornemos mais dinâmicos e o nosso calor corporal se identifique com o calor externo. Não devemos nos livrar precipitadamente dos agasalhos (especialmente nas regiões mais frias), para não nos expormos aos elementos nocivos que intercalam a estação (o que os chineses chamam de vento perverso).



Da mesma forma, devemos ser gradativos na mudança da alimentação, que de quente e mais pesada do inverno transita para o morno mesclando ao suave e mais fresco (especialmente nos países mais quentes). Deste modo, devemos evitar a ingestão de alimentos gordurosos, pesados e condimentados, ser parcimoniosos  com as castanhas, laticínios e também diminuir a ingestão de carne vermelha. Os alimentos carregados congestionam a energia do fígado, que por isso não eliminará as toxinas e o sangue não se purificará; desta forma, os órgãos internos não se revitalizam. Acrescente à sua dieta mais vegetais verdes cozidos (se possível no vapor) e algumas saladas. Será também benéfico o uso de ervas estimulantes, amargas e azedas (como genciana, dente de leão, boldo etc.), que além de limpar o sangue e tonificar o fígado, sintonizam o organismo com o crescimento da primavera, preparando-o para o verão.




“Um fígado saudável é como uma jovem árvore crescendo tão forte quanto flexível. A energia é límpida, flutuante e solidamente enraizada. Dessa forma, o fígado é o responsável pelo movimento suave da energia através do corpo, o que dá graça aos nossos movimentos e limpa e armazena o sangue.

Quando o fígado adoece, ele fica suscetível ao movimento irregular chamado vento. Ele causa tensão, espasmos, dores de cabeça, alergias, convulsões, coceira e dores que mudam de lugar. À medida que o fígado fica congestionado, pode resultar em ira, frustração, irritabilidade, enrijecimento da nuca e dos ombros e hipertensão.”



O uso prolongado dos olhos é contra-indicado, especialmente no horário correspondente ao elemento madeira, das 23h às 3h, horário do fígado e vesícula biliar, porque isto pode enfraquecer a energia do movimento da madeira, e dispersar a energia do espírito (os olhos são as janelas do espírito) .



Como a primavera é uma estação onde as aparências se evidenciam e tem forte apelo, há que se ter certo cuidado, pois, onde o espírito é assaltado pelos olhos e seduzido pelos sentidos, não se tem a visão do coração e o espírito tende a vagar por caminhos que não são os seus. Na primavera, a alegria interior se manifesta e traz contentamento, mas o homem em geral a confunde com divertimento e isto traz dissipação.



Há no homem uma forte tendência a se deixar guiar pelo apelo dos cinco sentidos, este é um dos seus grandes desafios. Por outro lado, o fígado abriga a alma e as faculdades espirituais, o que pode nos favorecer, trazendo luminosidade e força. A prática da meditação é por isso muito recomendável na primavera, para despertar o potencial criativo, uma vez que é uma estação favorável ao brotar de novas idéias e atividades, e o desapego aos padrões rígidos e comportamentos ineficientes. O cultivo do vazio que a meditação proporciona prepara o espírito para a manifestação do que é novo. Se você tomar os devidos cuidados, a primavera será uma estação benéfica e prazerosa; cultive os atributos desta estação luminosa, pratique dentre eles a generosidade e colha as flores nos sorrisos e contentamentos a sua volta e você poderá sentir o verdadeiro significado do que é riqueza e prosperidade.



O mestre Liu Pai Lin sempre disse que desde que nos cultivássemos sempre haveria a possibilidade de uma nova primavera.






“A maior virtude da natureza é fazer brotar vida nova.”

Mestre Liu Pai Lin





Ronaldo José Fernandes

Professor de Tai Chi Chuan, Kung Fu, Espada Tai Chi, Pa Kuá, Espada Pá Kuá, Técnico em Reabilitação Geral, Massagista, Acupunturista.

Discípulo direto dos mestres Liu Pai Lin e Liu Chih Ming

Tel. 42241433  cel. 986186354